quinta-feira, 8 de maio de 2008

Sob a batuta de quem sabe - parte 2

Acompanhe a segunda parte da entrevista com Junior, eterno Maestro do Flamengo:

“GRAÇAS A DEUS JOGUEI 82!”

FR – Você tinha tudo pra jogar a Copa de 94 e o Parreira falou que não havia seleção no mundo com jogadores por volta dos 40 anos. Hoje há o Maldini (zagueiro da Itália) com 39 anos, o Nedved (meio-campo da Rep. Tcheca) com 36. Como foi pra você ouvir aquilo, sabendo que você tinha qualidade?

J – Eu parei de jogar, aquilo acelerou a minha despedida. Porque eu tinha como objetivo pelo menos chegar à Copa de 94, quando eu teria 40 anos. Tinha vindo de uma temporada excepcional, ainda estava bem. Mas aquilo ali jogou uma água fria. A gente é movido a objetivos, e quando chega nessa idade, principalmente.

O Romário, por exemplo. Quando chegou nos 1.000 gols com certeza ficou na cabeça dele: qual o meu objetivo agora? Aí você começa a buscar. Se você não encontra um objetivo forte, você vai fazer outra coisa: cuidar da mulher, dos filhos, curtir a família. E acho que tanto o Parreira como o Lazaroni em 90 poderiam ter me levado. E eu teria ajudado muito.

FR - Parreira também desdenhou da seleção de 82, dizendo em entrevista de 2006 que a História não fala de seleções que deram show. A Holanda de 74 e a Hungria de 54 entraram no mesmo barco... Como é pra você ouvir isso sobre a sua geração, ainda mais vindo de um dos principais técnicos brasileiros?

J – Eles falam em cima do resultado, não em cima da história do futebol. O resultado diz que o Brasil foi campeão em 1994. Mas a história fala que quem jogava o futebol que o torcedor gostava era o de 1982, 70, 58. Quando citam a seleção de 94 falam principalmente de Romário e Bebeto. E do Dunga, mas por causa da revanche de 90.

FR – E do Taffarel pelos pênaltis...

J – Então o Parreira pode dizer o que ele quiser. Você aceitar, aí é uma outra história. Graças a Deus joguei 82! As pessoas falam de tristeza... Que tristeza? Fiz uma música que até hoje todo mundo em roda de samba pede que eu cante (“Voa, canarinho, voa”, LP com mais de 800 mil cópias vendidas que foi a trilha sonora da seleção na Copa), joguei ao lado de Zico, Sócrates, Falcão, Cerezo, Oscar, Luizinho, Éder... Só monstros sagrados. Trabalhei com o maior treinador da história do futebol brasileiro (Telê Santana). Depois de 82, joguei mais três anos na Itália, voltei, fui campeão.

Não dá pra ficar preso à história de um jogo. Pobres daqueles que ficaram presos ao Brasil x Uruguai de 50.

A Copa da Itália foi um resultado que faz parte da profissão. Gostaria de ter ganho? Gostaria. Chorei? Chorei muito, junto com todo mundo. Era uma oportunidade que a gente tinha pra fazer até a evolução do futebol, porque todo mundo copia quem ganhou. Todo mundo queria copiar a Holanda de 74, e o que aconteceu? Nós tivemos uma Copa de 78 maravilhosa, com todo mundo jogando no ataque. Até a Itália! Nós perdemos em 82 e houve uma involução no futebol, com todo mundo jogando no contra-ataque etc.

FR – Você se sente realizado mesmo não tendo ganhado a Copa de 82.

J – Caramba, quem vai me tirar ter sido campeão do mundo em 81 [pelo Flamengo]? Hein? As pessoas não têm noção do que é isso...

FR – E o que você achou do futebol da seleção de 94?

J – Em 94, com as características daquele elenco, você só podia jogar daquele jeito. O pessoal fala do Flamengo de 81. Nós jogávamos no 4-5-1: o único atacante de nosso time era o Nunes, todo mundo vinha de trás e todo mundo fazia gol. Por quê? Porque as características daquele time permitiam fazer isso. Em 94, não. Eu participei da comissão técnica, fui observador da seleção, e falei isso na época. Se o Brasil joga de outra forma, atacando, não chegava.

“TODOS ESTÃO TÉCNICOS”

FR - Você teve uma curta experiência como técnico (Flamengo e Corinthians). Na época disse uma frase: “eu não sou técnico, estou técnico”.

J – Eu acho que todo mundo “está técnico”. Na conjuntura atual, você está na quarta e no domingo, você já era. Eu nunca pensei em ser treinador.

FR – E como é que surgiu essa oportunidade?

J – O Paulo Angioni me convenceu que eu tinha que assumir o clube naquela hora, que precisavam de mim. E tudo o que se relaciona ao Flamengo eu não posso dizer que não, tenho que pensar. Aí me ligou o Cantarele (ex-goleiro do Fla, campeão mundial em 81), e outros, dizendo “vamos lá, a gente vai te ajudar”, e fomos. Mas não é que eu me preparei pra ser treinador. Poderia até ter continuado a carreira.

FR - E o que te levou a parar?

J – Uma série de coisas... Eu quero mais é curtir a vida, essa experiência não mudaria nada pra mim. O que eu quero mais? Eu me realizei como profissional, consegui quase tudo que um atleta gostaria de alcançar. Financeiramente tenho uma vida tranqüila, não tenho a necessidade de ficar pulando de galho em galho [como técnico]. Quero ir à praia, estar com meus filhos, tocar um pagode na esquina com meus amigos... Passei 23 anos ali [no futebol], me dedicando, e aí fui pro lado de curtir a vida. Me chamaram pra ser treinador da seleção olímpica da China no ano passado. “Não, obrigado, meu camarada, não quero sair do país, toma umas indicações de nomes...”.

À VONTADE NA TV

FR - E hoje, você “está” ou “é” comentarista?

J – Eu já tenho mais de dez anos comentando. Comecei quando ainda jogava no Torino, comentando alguns jogos na RAI: Copa da Uefa, Liga dos Campeões... Aí comecei a gostar disso. Aqui comecei em 1995, quando a Globo me chamou, fiz as finais do Brasileiro, Supercopa. Vi que era bom pra caramba.

FR – Por que você gosta tanto de ser comentarista?

J – Porque eu acho que posso transmitir a minha experiência para as pessoas leigas. Muitas vezes as informações que chegam para o torcedor não chegam da forma que deveria chegar. Eu gosto de passar o que estou vendo no campo pro cara em casa, e o cara entender. Isso é a satisfação. É a mesma história do treinador: por que o Cuca deu 3 socos no ar na semifinal contra o Flamengo? Porque aconteceu uma jogada que ele treinou, essa é a realização dele, já que ele não entra mais em campo. (Na foto ao lado, Junior recebe o prêmio de melhor comentarista de TV do Campeonato Carioca 2008, dado pela Federação de Futebol do Rio)

FR – E dá pra falar tudo o que pensa?

J – Eu não tenho restrições. Até hoje ninguém chegou e disse: “você não pode falar isso”. Você tem que saber o seu limite, até onde você vai. Eu não posso extrapolar quando falar do Flamengo ou do Vasco, nem pra bem nem pra mal, sabendo quem eu sou e quem eu fui. Você está ali pra comentar, não pra narrar nem pra convencer ninguém. Você tem que ter opinião, não adianta ficar em cima do muro.

Leia também a primeira parte da entrevista

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