segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Luxemburgo, esse enigma

Além de títulos, tudo o que o Flamengo precisava nesse começo de ano eram boas notícias e tranquilidade para trabalhar. Então 2011 começa bem, nem derrota o time conheceu ainda. O que me deixa intrigado é uma dúvida sincera que me acomete a cada rodada: o que se passa na cabeça de Vanderlei Luxemburgo?

A pergunta não é provocativa, como se eu já insinuasse que não se passa nada. Eu realmente gostaria de saber como anda o raciocínio do técnico diante do Flamengo que ele vem montando, quais as conclusões, para onde caminhar. Vendo as entrevistas de Luxa não consigo chegar a alguma conclusão. Apenas levanto hipóteses, que compartilho aqui.

Luxemburgo sempre rebate asperamente quaisquer críticas a seu trabalho (e quanto mais ele repete que as respeita, mas ressalta que as odeia). Assim como não admite estar errado, movido a vaidade. Não é de hoje, e nem é o único técnico no mundo a agir assim.

Se insinuam que a defesa rubro-negra precisa de reforços, ele argumenta que é a defesa menos vazada, então o questionamento não faz sentido. Se levantam a possibilidade do time estar sem padrão tático e sem convencer em campo, ralha sobre movimentação, liberdade, variações de esquema que o elenco permite.

Minha dúvida é (e minhas hipóteses são): Luxemburgo diz essas coisas para preservar o grupo ou por realmente acreditar nisso? Se for a segunda hipótese, o Atlético-MG de 2010 surge como um fantasma que ronda a Gávea.

Ano passado, Luxa teve carta branca da diretoria, tinha um bom elenco, com jogadores valorizados em 2009. E não conseguiu fazer boa campanha no primeiro campeonato "pra valer", ou seja, o Brasileirão. Mas foi campeão estadual, o que lhe deu fundamentos para achar que estava no caminho certo.

Com o Flamengo ainda patinando para vencer seus adversários no Carioquinha (pergunte ao rubro-negro se ele sente confiança no time), como será na hora de encarar grandes forças do futebol brasileiro? (Ok, teve o Botafogo, mas o jogo foi empate. O Vasco ainda "fritava" PC Gusmão naquele 2x1).

Se for campeão estadual ainda desse jeito, o torcedor se sentirá seguro para o cada vez mais equilibrado Campeonato Brasileiro? Lembremos que o estadual do Rio já foi apelidado de "Me engana que eu gosto", pelo próprio Flamengo sendo campeão e depois brigando contra o rebaixamento.

E volto à minha dúvida: será que Luxemburgo está realmente satisfeito com o que vê em campo? A ponto de achar desnecessário mudanças ou reforços? A certeza do técnico ainda é ambígua, o que traz calafrios à torcida.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O berço é um lugar inesquecível


Sábado resolvi quitar uma dívida com meu passado. Mal sabia eu que estava indo ao encontro das raízes do futebol, ainda vivíssimas, apesar de tudo.

Na entrada, a bilheteira Rosane informa que o ingresso é R$ 10,00 a inteira. Não entendi quando vi o valor de R$ 20,00 impresso. "É que o Maciel dá uma força, e aí a gente cobra esse valor". Maciel é o atual presidente do São Cristóvão, que naquela tarde jogaria com o Aperibeense pela Série B do Campeonato Carioca. Um subsídio do comandante para aumentar o número de presentes.

Chego às 16h30, está rolando a preliminar com os juniores. Atrás do gol fica a velha guarda da "torcida cadete", apelido do clube que fica próximo ao CPOR, de formação de cadetes do exército. Um deles usa a camisa do Tabajara F.C.; outro, o único jovem do grupo, veste a número 2, toda rosa (as cores do São Cri-Cri são preto, rosa e branco). Os demais são o estereótipo dos velhinhos de fila de banco - a ranzinzice dessa vez se manifesta, claro, contra o trio de arbitragem.

A sala de troféus está fechada, mas não é tão vazia como se imagina. Na porta, uma foto ilustrada do time do último título: o Campeonato Estadual de 1926 - simplesmente o ano em que minha única avó ainda viva nasceu. Ao lado, a estátua do padroeiro dos motoristas, que dá nome ao clube.

A cantina humilde lembra aquelas de escola: os clássicos (e massudos) joelhos, refrigerantes e biscoitos mil. Uma televisão, ironicamente, mostra Ronaldo falando de sua carreira. É notório o contraste do conforto milionário do filho ilustre com a ferrugem da lâmpada e os azulejos antigos. O gramado, não faz muito tempo, era mantido rentinho ao chão graças ao profissionalismo de várias ovelhas.

A torcida tem cerca de 50 pessoas, também de todas as idades, algumas mulheres. Uns garotões fazem uma rodinha no último degrau da arquibancada e se comportam como se o jogo do gramado à sua frente acontecesse na TV: conversam mais do que torcem, deixando pra se manifestar nos lances de perigo e pra xingar o bandeirinha que fica a dez passos do público. Assim como os bagunceiros da classe, zoam qualquer figuraça (que eles julguem assim) do local. Um jovem de cabelo alto e barba pelos lados da mandíbula já é acolhido: "Fala Wolverine!" Uns CDFs podem ter se juntado ao grupo: "Parece o Dom Pedro I. Ô império brasileiro! Poder Moderador!". A impressão é que, num bairro com poucas opções de lazer, os jogos do São Cristóvão são um "point" da galera.

Atrás da arquibancada de cinco degraus, há um campo de futebol soçaite que os times usam pro aquecimento. Tudo a céu aberto, a não ser os "camarotes": bancadas do prédio administrativo que fica atrás do gol. Um baixinho com bigode de Hitler e temperamento idem parece ser o zelador. Arrumou confusão com o time inteiro do Aperibeense que ousou aquecer-se de chuteiras, e não de tênis, no campo soçaite. Principalmente com o camisa 11, que lhe pareceu atrevido. "Tu viu a atitude dele? Eu não gostei foi da atitude", dizia, justificando seu zelo. Mais tarde ligou pro presidente do clube - o Maciel - perguntando se um sócio que usava  camisa do Flamengo poderia continuar nas dependências do clube. Parece ofensa mesmo: estádio pequeno e ainda tendo que dividir com os outros? Depois, outra aporrinhação: "Cadê a ambulância??", gritava no rádio para os responsáveis por trazer o equipamento indispensável em qualquer jogo, seja de que divisão for.

Acima de uma pretensiosa tribuna de imprensa, a única publicidade do estádio está pintada na parede: "Pousada Locomotiva 206, em Conservatória".

Celso, um barbudo que lembra os personagens das histórias de Asterix, já está rouco na preliminar. Sabe o nome de todos os jogadores, mesmo da categoria junior (para azar dos atletas). Parece ser da diretoria. Ao seu lado está Raimundo, historiador informal do clube: já escreveu dois livros sobre o São Cristóvão. Um conta as memórias do título de 1926; outro, a trajetória dos Cadetes até os dias atuais. Não se manifesta muito, mas quando o bandeirinha marca um esquizofrênico impedimento após cobrança de lateral, parte pro alambrado pra espinafrar a árvore genealógica do árbitro auxiliar.

Sentado sobre uma almofadinha, daquelas feitas pro arquibaldo clássico, está Marcus Vinicius. Camisa do São Cristóvão comprada numa feira de colecionador, boné com cara do primeiro que viu pela frente antes de sair de casa, chinelos. Está acompanhado do filho, Marco Túlio, de 11 anos, moreno, cabelos pretos e inquieto com a aventura da Figueira de Melo. Nas mãos do garoto, um pedaço de papelão com o escudo do clube desenhado à mão com caneta Bic e a inscrição "Vamo ganhar".

Por que torcer pro São Cristóvão? "Somos botafoguenses, mas o segundo time é o São Cri-Cri, pois vários parentes na família eram torcedores fanáticos do clube", conta Marcus Vinicius. O filho já está no alambrado saudando a entrada do time profissional com seu cartaz estilizado. Vai passar o jogo inteiro em volta do campo e pelos camarotes pra acompanhar o time. Quando o pai pergunta por que ficou atrás do gol que o São Cristóvão defendia, em vez de acompanhar os ataques e possíveis gols, responde maroto: "Eu tava xingando o juiz".

Marcus também é um colecionador de revistas sobre o Campeonato Carioca, tem exemplares desde 1940. Fala das agruras de ser da segunda divisão: "Pro São Cristóvão ser campeão, tem que disputar 42 jogos até o fim do ano. É mais do que o Campeonato Brasileiro da Série A, que são 38 partidas". Lembra de 1973, quando seus dois times estiveram em rodada dupla no Maracanã. Na preliminar, o Botafogo perdeu de 2 x 0 para o Bonsucesso. O jogo principal era São Cristóvão x Flamengo, e os rubro-negros que tinham sacaneado os botafoguenses tiveram que aguentar a roda da fortuna: 1 x 0 pros Cadetes, no Maracanã lotado.

O jogo parece fácil pros donos da casa. O Aperibeense arma uma retranca e não consegue acertar passes fáceis, que dirá contra-ataques perigosos. Logo os bagunceiros o apelidam de "Aperebeense". Celso parece o próprio técnico do São Cri-Cri. Como todo torcedor fanático, sente que está diante de nada menos que a final do Mundial Interclubes. "Ele é muito nervoso!", ri Marcus Vinicius. Conta que um dia o São Cristóvão perdeu de 4 x 0 pro Bonsucesso (que algoz!) e Celso ficou deprimido, as pessoas o chamavam para ir embora e ele não ia, ficou um bom tempo na fossa que uma derrota acachapante pode causar. Marcus estranhou. "Achei que ele estivesse acostumado. Ultimamente, pro São Cristóvão a derrota é o normal".

Segunda divisão não discrimina ninguém, nem nas fatalidades. O camisa 11 do Aperibeense tem um mal súbito e desmaia sozinho no canto do gramado. O pequeno Hitler chama a ambulância (não se sabe se pensou "Deus castiga atrevimentos" nessa hora). Entra em campo um casal de enfermeiros, ele magro e ela gordinha. Os bagunceiros, honrando as tradições escolares, não perdoam. O camisa 11 levanta, aparentemente sem problemas. Daí em diante os bagunceiros só vão chamá-lo de Padiola.

O primeiro tempo termina 0 x 0. A maioria dos presentes vai à cantina. Marcus Vinicius e Marco Túlio dividem um Guaraviton (patrocinador do Botafogo) e comem um joelho cada um. "Tá frio", reclama o pai. O São Cristóvão parte pra cima no segundo tempo. O camisa 18 entrou e animou a partida, criou várias jogadas, driblou, causou cartões amarelos. Os Cadetes erram o alvo, pra tortura de Celso: chutam pra fora na pequena área, cabeceiam na trave, quase gol olímpico... Na improbabilidade do futebol, o Aperibeense arma um contra-ataque, o quarto-zagueiro da casa capota no ar e a bola sobra pro Padiola, de cara pro goleiro, quase na marca do pênalti - bola pra fora, de maneira inacreditável. Os apelidos parecem fazer justiça.

Um jogador do Aperibeense é expulso, aparentemente de maneira infantil. (Assistir qualquer jogo ao vivo expõe como nossas certezas são eternamente dependentes do replay). Os próprios colegas parecem não ter gostado, principalmente o Padiola. Na parada técnica, o camisa 11 arruma briga com o time inteiro, não dá pra saber por quê (repórter de campo também faz falta). Parecia plenamente recuperado do mal súbito.

Faltando menos de dez minutos para o fim, o São Cristóvão consegue uma falta perto da área. Cruzamento e... gol! Do camisa 7, um branquinho e loirinho batizado de "Garoto Juca" pelos bagunceiros. Até o fim do jogo vai ser um sufoco, já que o time da casa recua e o Aperibeense vai pro desespero. O lance mais incrível acontece fora de campo: Celso vai embora antes da partida terminar.

No apito final, aplausos aos vitoriosos. Marcus Vinicius e o filho vão em direção à saída de campo dos atletas. O garoto quer tirar fotos com os jogadores. Nenhum deles é famoso ou já apareceu na TV.

Nasci no Engenho Novo, mas fui criado no bairro imperial de São Cristóvão. Morei na Rua São Luiz Gonzaga, depois no Campo de São Cristóvão, estudei no Colégio Pedro II, corri e joguei bola na Quinta da Boa Vista. Só saí de lá ao casar, já com 27 anos.

Só que cometi um pecado imperdoável para um autêntico morador que adora futebol: nunca tinha ido ao acanhado estádio da Rua Figueira de Melo assistir a um jogo do São Cristóvão Futebol e Regatas.

Ao pagar essa dívida, acabei indo ao encontro da gênese do esporte. Ou como já foi dito por alguém, do "futebol em estado puro". Naquela tarde de sábado parecia ter voltado a 1926, quando não havia TV, marketing, salários milionários, elitização dos estádios, confusões extra-campo. Apenas paixão, fidelidade, empenho, idiossincrasias, dedicação, alegria, tristeza. Sem elementos como esses, não há futebol.

Mas era 2011, portanto não se trata de nostalgia. É justamente a constatação que apesar dos vaticínios propagados (e perpetrados) por várias direções, o futebol não morre, mesmo no acanhado estádio da Figueira de Melo. Só está aguardando as testemunhas.

ATUALIZAÇÃO: blog do Marco Túlio

À direita, os camarotes dos Cadetes
  

O Fenômeno na TV

Bola na área, o "Garoto Juca" (camisa 7, último à direita), se prepara pra subir...

 
... gol do São Cri-Cri!


Outros vão nascer aqui?

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Ser ou não ser ídolo?


À essa altura, até o mais desmemoriado torcedor sabe da importância que Ronaldo teve na história do futebol mundial e, sobretudo, do brasileiro. As retrospectivas protagonizaram o dia (ainda que num tom lamentoso. Parecia que o jogador tinha morrido) e não vou me alongar aqui sobre o que o Fenômeno fez na carreira.

O que eu queria destacar é que, como tantos outros craques, ele era ídolo onde passava. Mesmo quando ficou sem jogar, não sumiu da mídia, nem do coração esperançoso de quem torcia por ele. Mas será que Ronaldo teve a real noção do que é ser ídolo?

Digo isso porque Ronaldo sempre reclamou que o Brasil não trata bem seus ídolos, à medida que as críticas apareciam - sejam sobre o trabalho em campo ou sobre os episódios diversos fora dele.

O problema é que, para Ronaldo, tratar bem significa paparicar. Desde os 16 anos levou uma vida de rei (fruto de seu trabalho, sem dúvida), com toda a corte à sua volta para protegê-lo e passar a mão na cabeça quando preciso. Pra completar, com a Globo capitalizando em cima de seu carisma e tentando blindá-lo para não comprometer a cara imagem.

Só que, como todo ídolo, Ronaldo é humano. E por mais que a religião do marketing tente negar, uma hora essa humanidade vem à tona. Seja numa contusão, num hipotireodismo, num motel da Barra da Tijuca ou no Twitter.

Entretanto, como Ronaldo vive no reino da fantasia (pois uma carreira sem críticas é coisa de ficção), nunca suportou que alguém falasse mal dele. Isso se manifestou até mesmo na hora da despedida. Quando citou a causa de sua gordura e a impossibilidade de perdê-la, quis deixar pesada a consciência de muitos críticos (e torcedores rivais que não perderam o espírito zoador do brasileiro). E ainda disse que não guarda mágoa. Tô vendo...

Todos os ídolos foram criticados em diversos momentos da carreira. E tiveram que lidar com isso, de algum jeito. Zico ganhava motivação pra revidar em campo; Romário rebatia, criando frases inesquecíveis; Garrincha não podia negar o ocaso de seu futebol - assim como Ronaldo agora.

Ronaldo deixa muitas lições para futuros jogadores: determinação, coragem para ser um jogador decisivo, alegria a cada gol marcado. Mas também lembra que ninguém é perfeito ou intocável - nem pode pensar que é. Falta humildade a muitos craques e jovens promessas, e Ronaldo é uma das referências para eles. Nesse ponto, pode ter sido mau exemplo.

E para os míopes de plantão, ressalto: destacar esse aspecto da carreira de Ronaldo não desmerece nem apaga o que ele fez com chuteiras.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Copa 2014: precisamos lembrar do fracasso


Amanhã tem mais um teste para Mano Menezes. Já que a Seleção Brasileira está classificada para a Copa 2014 mesmo, é o técnico que tem que convocar e treinar direito pro Brasil ir jogando bem e assim manter-se no cargo.

No entanto, se quisermos pensar no título em casa, penso ser fundamental contar com  jogadores que já sentiram a dor de uma desclassificação precoce em Copas anteriores. Isso parece ser contrário ao espírito de renovação encomendado a Mano, mas não é.

Nenhuma seleção campeã do mundo teve em seu elenco apenas uma nova geração fissurada em sair com a vitória. Até pela idade dos atletas, sempre é possível ver alguns que choraram por ficar longe da final antes conseguirem comemorar em ocasiões seguintes.

É claro que o critério técnico tem que ser a mola-mestra de qualquer convocação. Mas é preciso, na medida do possível, aliar esse aspecto à experiência. E não falo só de jogadores mais velhos.

Jogadores como Júlio César e Daniel Alves, que sentiram o gosto ruim daquela derrota para a Holanda em 2010, continuam se mantendo em alto nível, justificando sua presença na Seleção. E além do talento e do preparo físico, a "dor de corno" também vai valer muito na hora de uma nova oportunidade para levantar a taça.

São jogadores que já passaram pela pressão de um Mundial e que farão de tudo para não viver a decepção novamente. E vão querer contagiar e conscientizar todo o grupo nesse sentido.

O título de 2002 veio depois de uma derrota categórica em 1998 - Rivaldo e Ronaldo estavam em ambas as ocasiões. Em 1990 lá estavam Taffarel e Romário, cruciais em 1994. 1970 era a chance de Gerson e Jairzinho reescreverem 1966.

Não estou dizendo que a base de 2014 deve ser 2010. Mas o equilíbrio deve acontecer, visando também o aspecto aqui narrado. Kaká ainda não saiu incontestável de uma Copa. Se recuperar a camisa 10, imagine como não jogará a última, e em casa? E Maicon, que parece ter sido o mais raçudo na África do Sul e, ainda assim, perdeu?

A "dor de corno" pode ajudar, e muito.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A perenidade dos Estaduais

Nesse início de ano houve uma discussão mais crítica sobre a importância dos Campeonatos Estaduais. Vozes na internet, na TV e em meios impressos, de diferentes matizes, no mínimo concordaram que essas competições têm saturado os clubes grandes.

A partir daí, muitos simplesmente querem a extinção dos estaduais, privilegiando copas regionais como as antigas Nordeste e Sul-Minas e o Torneio Rio-São Paulo. Outros admitem que os estaduais são extensos e inchados (o que se explica pela politicagem das Federações, precisando dos votos dos times pequenos). Mas, em nome da tradição, estes opinadores não acham que o melhor é o fim.

À parte essa discussão, o que se vê hoje é que o Campeonato Estadual, por se tratar de um título a ser conquistado, possui significados diferentes para cada clube e jogadores, a cada temporada.

Olhando o Rio de Janeiro: para o Vasco, é o começo de uma retomada da credibilidade perdida. Com exceção da Série B de 2009 (que muitos torcedores sequer se acham à vontade pra comemorar), são oito anos sem o lugar mais alto do pódio. Pergunte ao Corinthians e ao Botafogo o que é uma fila, e os seus efeitos no moral da torcida.

Para o Botafogo, o Carioca 2010 foi a superação de um desastre anunciado numa goleada histórica. Foi a recuperação da auto-estima, do respeito por ganhar os dois turnos e não dar chance pra ninguém. Sem o título, dificilmente o Glorioso faria a campanha que fez no Brasileirão.

Para o Fluminense, emendar o título brasileiro com mais outro em seguida pode gerar uma empolgação exponencial para a Libertadores, contagiando time, torcida e mídia.

Mesmo o Flamengo, que desde 1999 venceu seis vezes o Carioca, ganhar novamente em 2011 é o sepultamento do fracasso do ano passado. No caso rubro-negro, a importância do torneio se individualiza: para Luxemburgo, é voltar a ser campeão depois de dois anos - período longo de jejum para o que está acostumado. Para Ronaldinho Gaúcho, a certeza que veio pra somar dentro de campo, com graça e também resultados.

E assim, ano após ano, os Estaduais conseguem renovar o seu interesse de público e crítica. No entanto, é ponto pacífico que eles precisam ser mais rentáveis para os clubes grandes e menos extensos. Não faz sentido disputar final de estadual às vésperas de um jogo de oitavas-de-final da Libertadores já em abril.

Assim, acredito que o segredo é criar um calendário que faça os grandes jogarem mais entre si. Ou de maneira mais decisiva. Os clássicos sempre vão render buxixo, audiência, retorno de mídia, patrocínios, motivação no campo e na arquibancada. Essa foi a receita de Mario Filho, há mais de 50 anos, quando o jornalista se reuniu com os dirigentes cariocas para revitalizar o Estadual do Rio.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Os opostos, o carisma e o iluminado


Era noite de emoção para as duas maiores torcidas do Brasil. Enquanto o Flamengo contava as horas pra festejar Ronaldinho Gaúcho em campo, o Corinthians seguia com Ronaldo para vencer, antes de tudo, o seu próprio nervosismo para passar pelo Tolima e manter viva a Libertadores.

No Brasil, estádio lotado, mosaico, de novo a Gávea volta a ter um camisa 10 de renome, na teoria e na prática. Mas como seria sua volta aos gramados? Fama de baladeiro, chopinho na quadra do samba, muito oba-oba...

Na Colômbia, estádio cheio (não lotado), gramado ruim, camisa 9 que há mais de um ano vive só da fama, engabelando técnicos e torcida, parceiro do marketing e de um presidente falastrão.

Ronaldinho correu, buscou o jogo, deu carrinho, fez suas jogadas de efeito. O Flamengo, desentrosado e ainda desequilibrado entre ataque e defesa, suava pra não levar um susto do quarto melhor time do Rio neste início de estadual.

Ronaldo não conseguia tirar o zero do placar, pênaltis à vista.

O Flamengo botava o coração na ponta da chuteira pra festa não virar pesadelo, não virar mico. O Corinthians se virava pra driblar a redução de seu elenco pro sonho não virar mico.

O Flamengo martelou, tentou, chutou pra fora, substituiu, pressionou. Ronaldinho caiu bem como capitão, se movimentava, incentivava o time, levantava a torcida num "vamoporra!" clássico. Devido ao cansaço, fixou-se na faixa esquerda do campo, deu passes açucarados para finalizações amargas. Cadê a farra, o chinelinho, que mostrariam um R10 se arrastando em campo?

Talvez estivesse em Ibagué, quando o Timão levou um, depois outro. Assistindo tudo lá da frente da outra meia-lua, talvez.

Mas o iluminado nem sempre é o que está debaixo dos holofotes. Assim foi com Fio Maravilha, Nunes, Cocada, Adriano Gabiru, Bujica, Tupãzinho... e Wanderley.

Fim de jogo, estádio ovacionando, hora certa daquela saidinha rápida do gramado depois de ouvir as babaovices dos microfones.

Antes disso Ronaldinho faz questão de cumprimentar Wanderley, o homem que garantiu a sua festa. Depois, agradece a cada canto do estádio, reverencia de volta, mareja os olhos. Quando os homens-óbvios empunham seus instrumentos captadores, flagram um craque que parece ter reencontrado um motivo para ser feliz em campo.

Foi só um jogo do Carioquinha 2011. Mas pergunte ao corintiano se ele não gostaria de trajar vermelho e preto no Engenho de Dentro hoje.