sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

É de família

Ele foi um autêntico camisa 10, um meia-direita que usava de habilidades físicas e psicológicas para driblar seus marcadores (até escreveu um livro sobre o assunto). É o maior ídolo da história de um clube carioca, que tem uma torcida fiel e tradicional. Estava cotado para o grupo da Copa de 70. Ah, e também é irmão do Zico. 

Mas essa última característica só ficou conhecida depois que EDU tinha uma carreira de craque nacional mais do que consolidada. Segundo maior artilheiro da história do América-RJ (212 gols), não são poucos os que dizem que ele jogou mais que o irmão famoso.

Nessa entrevista exclusiva, concedida por e-mail direto da Grécia, Edu Coimbra transpira alegria por ter encontrado o futebol, conta histórias divertidas e emocionantes – por exemplo, ao jogar com outro irmão, Antunes, em pleno Maracanã – mostrando-se um profissional realizado dentro de campo, como jogador e também como técnico. 

FUTEBOL RACIONAL - Você começou a carreira no América-RJ mesmo. Como você chegou ao clube? Fez testes em outros clubes?

EDU COIMBRA - Comecei em 1963, se não me falha a memória, fazendo testes nos infantis e não passei na primeira tentativa numa peneira no antigo campo do Mavilis, no Caju. No ano seguinte, fui levado pelo Paulo Cesar Martins (o Puruca), meu amigo e vizinho de Quintino, para um novo teste. Aí sim, fui aprovado e nesse mesmo ano fiz minha estreia no time principal, ainda [com idade de] infanto-juvenil. O Paulo me acompanhou no primeiro teste e tinha sido aprovado.

Nunca fiz testes em outro clube a não ser o América. Mas joguei, junto com o Paulo, uma partida pelo Fluminense, na preliminar de um Rio-São Paulo da época brilhante do futebol brasileiro. Flu 3 x 1 São José, com um gol de cada. Ganhamos um belo troféu que até hoje está na galeria tricolor, na sede das Laranjeiras. O Flu nos queria, pelas belas atuações, mas respeitando o clube co-irmão (havia isso na época, acreditem), não forçou a barra.


FR- Você sempre jogou de meia-direita?

EC- Fui atacante número 9 por algum tempo, inclusive artilheiro do [Torneio] Roberto Gomes Pedrosa de 1969, e considerado o melhor jogador sul-americano daquele ano. Mesmo assim não fui convocado para a Copa de 70, ficando, porém, entre os 40 inscritos na FIFA. Com a chegada de Zizinho para dirigir o time [do América] fui alçado à camisa 10, sendo considerado o primeiro "número 1", designando o jogador mais livre num sistema inventado por ele e copiado pelo Zagallo em 70 na Copa: o 1-4-3-1-2. Portanto, a maior parte da minha carreira fui uma espécie de pivô entre a defesa e o ataque e articulador de todos os contra ataques. Sem deixar, porém, de continuar fazendo os gols que deram inúmeras alegrias na minha carreira. Foram mais de 500, para meu orgulho.

FR- Quem era o seu ídolo no futebol? Por quê?

EC- O grande ídolo da família, quando criança, foi o inimitável Dida, dono de jogadas sutis, simples e vistosas, com um aproveitamento excepcional no ataque do Flamengo e nas equipes que ele jogou em toda a sua brilhante carreira. Inclusive na Seleção, onde Pelé era seu reserva. Acho que, além do craque que foi, o número 10 do Flamengo ajudou, na construção da sua imagem, como apelo significativo na minha aprendizagem e de meus irmãos. Acima de tudo, [tinha] um grande caráter e [foi] exemplo para as gerações que se seguiram. Saudade desse tempo de Maracanã cheio e Dida fazendo diabruras em cima dos zagueiros contrários. Que belo jogador ele foi!

FR- Qual foi a sua maior alegria pelo América? E a sua maior tristeza?

EC- A alegria permanece em saber que me tornei um símbolo de empenho, dedicação e capacidade profissional, sempre lembrado como um dos maiores ídolos de sua brilhante história. Quanto à tristeza, foi a perda da Taça Guanabara de 1967, quando tínhamos equipe até para sermos campeões.

FR- Dizem que você, baixinho e habilidoso, diante dos zagueirões “grossos”, incentivava-os a fazer jogadas de efeito, sabendo que eles não iam conseguir e aí você se aproveitava para roubar a bola e passar por eles. Era isso mesmo?

EC- Escrevi um livro, Método sensorial no futebol, da infância à idade adulta, que conta um pouco daquilo que usava como meios para conseguir ludibriar os adversários, rumando em direção ao objetivo principal em cada partida: marcar gols e ajudar nas vitórias do time. Na verdade, essa foi uma das artimanhas de tantas que são usadas legalmente dentro do campo. Malícia, no bom sentido, nunca é demais no futebol e faz parte da cultura carioca, principalmente.

FR- Você tem outras histórias curiosas vividas nos tempos de jogador?

EC- A história como jogador é passado, mas creio ter deixado um legado de bons ensinamentos. Entretanto tem uma passagem interessante que posso contar: ano de 1969, jogo América x Botafogo no Maracanã lotado, valendo a Taça Guanabara. Entro em campo e um jogador do Botafogo, o zagueiro Zé Carlos, se não me engano, mais para me distrair do que propriamente falando sério, me diz: "ô baixinho, sabia que aliança de noivado dá azar nos jogos?". Coincidência ou não, o Bota faz o seu gol logo aos 2 minutos da partida, quando eu corria para o banco entregar a aliança que havia retirado do dedo. Então combino com meu saudoso irmão Antunes, grande mestre da família, que jogava ao meu lado, uma jogada em direção ao empate. Não deu outra, gol ... E no segundo tempo, mais um a nosso favor, do querido amigo, também falecido, Eduardo. Achava, a cada minuto que passava, que a virada tinha sido fruto da retirada da aliança.

Quão bobo e inocente eu fui, quando o Botafogo empatou e na prorrogação fez o gol do título com Paulo Cesar Caju, que marcou os 3! Terminada a partida, triste e cabisbaixo, peguei a aliança, recoloquei-a, com todo o carinho, e nunca mais a tirei do dedo até o dia do meu casamento. Quantos e quantos gols e vitórias ainda tive jogando com ela no dedo! Ah, se arrependimento matasse... Quem sabe com ela teríamos vencido e conquistado a Taça Guanabara? Coisas do "infantil "mundo da bola.

FR- Quem foi o seu melhor marcador?

EC- Tantos foram os bons, mas o Brito, do Vasco, foi de grande importância na minha formação adulta. Pela sua experiência, lealdade e incentivo que dava em cada partida, mesmo sendo adversário. Até hoje sou grato pelos ensinamentos e motivação, dados no início de minha carreira. Um grande jogador, zagueiro, com muita justiça campeão do mundo. Um sujeito de um coração muito maior que a sua capacidade profissional.

FR- Qual o seu jogo inesquecível?

EC- América 1 x 0 Nacional do Uruguai, Torneio Negrão de Lima, Maracanã. Jogo final e o gol da vitória feito pelo meu irmão Antunes. Foi o primeiro título da minha carreira no América. A emoção maior foi porque eu fiz o lançamento para o meu irmão e ele aproveitou magistralmente, driblando Emilio Alvarez e deslocando o fabuloso Domingues com um toque sutil e desconcertante. Um golaço confeccionado por dois irmãos!

Quando nos abraçamos na volta, para o recomeço da partida e ainda comemorando o gol, o público inteiro, com mais de 50 mil espectadores, aplaudindo de pé e reconhecendo a beleza do lance. Isso foi magnífico em minha carreira e a maior emoção que vivenciei.

FR- E o gol inesquecível? Por quê?


EC- Campo Grande 2 x 0 Portuguesa, preliminar de Vasco x Flamengo no Maraca colocando gente "pelo ladrão". Jogando pelo Campo Grande, quase em fim de carreira , aos 40 do segundo tempo, fiz um golaço,de bicicleta , numa feliz performance elástica e fazendo vibrar as duas torcidas que, juntas, gritavam “EDU! EDU! EDU!”. Foi uma apoteose tão surpreendente que meu irmão Zico, mudando a roupa no vestiário, preparando-se para o jogo principal, correu à boca do túnel para saber o que havia acontecido. Moral da história: de tão feliz ao saber do ocorrido, resolveu orgulhar ainda mais a família e deu um show no clássico, protagonizando um dos dias mais felizes para os Antunes Coimbra .

FR- Pra você, o que falta pro América voltar a ser grande? O que tem achado do momento atual do clube?

EC- O América voltou à primeira divisão, vai passar sufoco no início mas deve melhorar no decorrer da competição, caso haja investimentos em jogadores com mais bagagem e experiência que os atuais. Como sempre, uma incógnita!

FR- Você foi campeão estadual pelo Bahia em 1975. Que lembranças tem do seu período lá?

EC- Minha passagem pelo Bahia foi vitoriosa pela conquista estadual e pelos bons momentos de alegria vivenciados naquela terra abençoada pelos deuses da alegria, nos aspectos profissional, social e familiar.

FR- Você já tem uma longa carreira como técnico. O que você tem a dizer sobre essa experiência?

EC- De grande valia na minha evolução como homem das quatro linhas e com uma infinidade de ótimos resultados. Feliz pela escolha, continuando no futebol, após a carreira de jogador. Me preparei, estudei e lucro com este investimento.

FR- Você tem vontade de voltar a ser técnico de um time grande no Brasil?

EC- Estou bem auxiliando meu irmão e enquanto ele me quiser estarei fielmente ao seu lado. Até porque é uma parceria que tem dado certo .

FR- Desde o Kashima Antlers você tem trabalhado como auxiliar-técnico do Zico. Como é o dia a dia de trabalho vocês? Como é a relação entre os dois, que possuem tanta experiência dentro de campo (embora como técnico você esteja há mais tempo que ele)?

EC- De lealdade, carinho, atenção e participação efetiva . Há empatia e confiança mútuas.

FR- Você gostaria de trabalhar na comissão técnica de algum grande time da Europa?

EC- Quero estar junto do meu irmão, não importa onde e quando. Esse é meu interesse maior.

FR- O Flamengo contratou Vagner Love, jogador que trabalhou com vocês no CSKA Moscou. O que você acha?

EC- O Love é craque e portanto vai ser uma peça muito importante na temporada do Flamengo. É um grande cara que tem qualidades inquestionáveis e vai ser feliz desde que se cuide bem e atue com afinco e confiança. A torcida vai gostar, tenho certeza!

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