segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

It's all about money?


A entrevista do presidente da Traffic, publicada no Globo de ontem, é emblemática do futebol de nosso tempo. Isso porque Julio Mariz esclarece o óbvio: como toda a empresa, estão no negócio para lucrar. Nada de absurdo nisso, é a natureza das empresas. Mas como o produto em questão é algo arraigado à identidade nacional e à paixão amadora, tudo fica mais complicado.

Julio fala com naturalidade sobre o fato de jogadores terem empresários desde os 14 anos, e explica como os grandes clubes perdem (ou rasgam) dinheiro sem uma gestão adequada. Sai muito pela tangente quando questionado sobre o fato da Traffic operar em todos os clubes da Série A acabar gerando um conflito de interesses.

Triste é constatar que, assim como já acontece em muitas outras esferas, quem não tem o poder de consumo exigido, ficará de fora da brincadeira. Parece que o único caminho da sustentabilidade dos clubes (e dos lucros de empresas como a Traffic) passa pelo torcedor-cliente.

Quem não puder comprar os produtos licenciados, os ingressos caros, os carnês de sócio-torcedor estará excluído da história do seu time de coração. "Ah, mas é assim no mundo inteiro!", é a frase evocada como um mantra inconstestável.

Fico impressionado em como nos acostumamos a aceitar determinadas situações com uma passividade gritante. É claro que os clubes precisam encontrar meios de subsistir e serem competitivos, e as regras do jogo não são as mesmas do tempo de Pelé e Garrincha. Mas por que achamos que a elitização pura e simples é a solução final?

Por que em nenhum momento se pensa na possibilidade de ingressos populares, de atividades envolvendo a massa da torcida e não apenas a minoria que pode pagar? Sim, minoria que tem muito dinheiro, é a desigualdade social ainda vigente no Brasil.

O ingresso mais barato do primeiro jogo do Corinthians na Libertadores custava 50 reais. A arquibancada no Rio está, em média, 40 reais. E paga-se pelo que, afinal? Para sentar num lugar não marcado, pela falta de segurança, pelo desrespeito da CBF com o esporte? O preço é mais salgado do que se pensa.

Não é de hoje que os serviços públicos (que já pagamos com nossos impostos) são deliberadamente sucateados para que nossa única opção seja pagar de novo por eles. Está aí a proliferação das escolas, universidades, planos de saúde e previdência privados que não me deixam mentir.

Agora essa mentalidade chegou ao futebol. Começou de forma sorrateira, mas agora está tão bem aceita que o presidente da Traffic pode falar abertamente sobre seus objetivos e estratégias. Ele está no seu papel. Ruim mesmo é quem permitiu que isso acontecesse com nosso esporte nacional.

E não seria um Renato Maurício Prado que levantaria numa entrevista pontos tão controversos. Esse já se esqueceu da máxima de Geneton Moraes Neto, de que o jornalista existe para fazer perguntas difíceis.

Mas faço questão de registrar os colegas de profissão que ainda não se renderam a esse determinismo financista que vem tomando conta do nosso futebol: André Rizek, Lúcio de Castro e Juca Kfouri são alguns deles. ATUALIZAÇÃO: Incluo na lista o Rica Perrone, depois desse excelente texto.

O futebol parece ser um mundo à parte. Enquanto o planeta passava por uma crise financeira em 2009, contratações galáticas eram feitas aqui e ali.  O Brasil é o terceiro no mundo em valor de patrocínios a clubes, dá pra acreditar? A própria FIFA é de um totalitarismo capitalista descarado.

Mas ao mesmo tempo, ele não é um mundo à parte. Os resultados e a postura em campo ecoam na alma do torcedor, na cultura nacional, pode até influenciar uma eleição. Tratar isso como um simples "produto" é diminuir seu significado.

domingo, 30 de janeiro de 2011

Finalmente um jogo "à vera"

Golaço e braços abertos para você, R10 (Jorge William/Globo)

Um dia os dirigentes do futebol brasileiro serão iluminados e verão que, para manter um campeonato estadual vivo e importante, devem encher o calendário de clássicos. Foi essa a receita de Mario Filho há mais de cinquenta anos. E pelo Vasco x Flamengo de hoje, dá pra ver que o caminho ainda é esse.

Porque não importa a situação do campeonato, os clássicos são um mundo à parte. É claro que ingredientes extras apimentaram o jogo antes de começar. O Vasco finalmente conseguiu derrubar o técnico e - incrível - pela primeira vez jogadores imprescindíveis como Dedé, Anderson Martins e Eduardo Costa estavam inscritos!

Por outro lado, era a oportunidade do Flamengo e de Luxa mostrarem que a evolução geral não é de mentirinha. E que os reforços poderiam enfim, ser reconhecidos como tal - ou não. Ou seja, tinha tudo pra ser um bom jogo, e foi.

Muita vontade e movimentação de ambas as equipes, cada uma mandando em um tempo do jogo. Se não terminasse a primeira etapa, o Fla partiria para a goleada. Se não houvesse o apito final, o Vasco empataria e poderia até virar o placar.

O grande destaque foi Thiago Neves, pois mostrou uma característica indispensável para qualquer jogador se dar bem no Fla: raça. Pressionou saída de bola, marcou, inverteu jogadas, deu passe com ambos os pés e fez um dos primeiros golaços do futebol brasileiro em 2011.

O Vasco não conseguia finalizar, coisa que se resolveu no segundo tempo. Com uma defesa mais sólida e a liderança e proteção de Eduardo Costa, tudo fica mais fácil. Até porque o time ganhou dois reforços de última hora.

O primeiro grande jogo também ratificou o que os empolgadinhos teimam em não ver: que as boas fases do zagueiro Wellinton têm prazo de validade (ainda precisa amadurecer. O lance do gol do Vasco veio de uma infelicidade sua); que Wanderley não tem cacife pra jogar num clube grande; que Marquinhos e Fierro não criam jogadas; que Felipe é tão presepeiro quanto Bruno, embora igualmente bom goleiro.

Ou então que Marcel só disputaria vaga com Wanderley, e num clube de médio pra pequeno; que Ramon esqueceu de jogar futebol; que Jefferson é camisa 10 de Série C; e que Zé Roberto ainda faz muita falta.

Parece que o preparo físico do Flamengo, devido talvez ao intenso ritmo da primeira etapa, faltou depois da parada técnica no segundo tempo. Renato é sério candidato a substituições frequentes, e Williams sabe tudo de desarme, e só.

Acredito que o Vasco se recupere na Taça Rio, desde que com um técnico decente e com uma diretoria firme. Demoraram demais pra peitar as estrelinhas apagadas, e isso reflete no trabalho como um todo.

O Fluminense ainda é o time a ser batido. Mas pelo que se viu contra Olaria e Cabofriense, quem faz o primeiro gol contra o tricolor complica demais a vida de Muricy. Até porque os times treinados por ele são armados pra fazer logo o resultado, e com frequencia ficam perdidos quando a situação é diferente disso. (Talvez aí esteja a razão do Zangado não ganhar nada em mata-mata.)

No retrovisor das Laranjeiras já surgem Botafogo e atrás, o Flamengo. Espero que o Vasco engrene para termos clássicos nas semifinais (ao menos da Taça Rio), pois só assim o campeonato fica mais interessante.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Doideira


O Botafogo vive dias de Flamengo desde o fim do ano passado. Depois de lidar com as indisciplinas de Jobson e com as mentiras de Somália, agora o clube precisa gerenciar a crise entre seu maior ídolo e artilheiro com o treinador que deu um jeito no time em 2010.

Só os resultados em campo vão dizer não quem tem razão, mas se Joel Santana dura no cargo. Pois a questão é delicada para a diretoria. Loco Abreu era o ídolo que o Botafogo precisava há tempos: confiante, goleador, líder. E o principal: sem o ranço da Era Cuca e seu derrotismo emocional.

Por outro lado, não há como negar o trabalho de Joel na arrumação tática do time no ano passado, assim como o jeito paternal de proteger o elenco após o 0x6 pro Vasco. E as "tiradas da cartola" diante do departamento médico lotado em pleno Brasileirão.

No entanto Joel possui um defeito que, cedo ou tarde, se revela em todos os times que treina: ele parece seguir à risca o "em esquema que está ganhando não se mexe". E se o perfil atual dos atletas e a incompetência da imprensa esportiva não permite olhares mais críticos, isso não acontece com o rodado Loco Abreu.

Se você ainda duvida, veja a carta do camisa 13 para esclarecer o ocorrido após o primeiro jogo do Carioca. Perceba que ele bota na conta do jornalista o telefone sem fio, mas mostra personalidade para admitir suas opiniões.

Loco é bem categórico ao dizer que a entrevista pós-jogo é mesmo a sua opinião, sem botar a culpa na "cabeça quente". E o que ele disse, afinal? O óbvio: que já passou da hora do Botafogo sair do espírito defensivista. Que serviu num contexto específico em 2010, mas que não necessariamente é o melhor agora.

Mas essa flexibilidade Joel não tem. Perguntem aos torcedores dos demais times cariocas: em determinado momento, todo mundo fica de saco cheio da mesmice dos esquemas defensivos do Natalino. Uma estratégia que funciona perfeitamente para os momentos em que ele chega nos clubes - apagando incêndio. Faz o time parar de tomar gols e consegue vitórias suadas. Como questioná-lo então?

Porém quando é a hora de evoluir, fazendo os demais times (principalmente os pequenos do Carioca) terem medo do Botafogo, Joel não quer mudar. Loco já percebeu isso, e parece não aguentar mais.

E agora, diretoria?

ATUALIZAÇÃO: Loco Abreu retirou a carta de seu site.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Ronaldinho: vamos ao que interessa


Já que o Flamengo resolveu dar (mais um) tiro no pé fazendo censura prévia à imprensa na coletiva de amanhã, prossigo com meu intento de elencar aqui algumas questões e perguntas que deveriam ser feitas nesse momento.

Até porque o Globo Esporte de hoje foi patético. Mais preocupados em fazer média com a maior audiência do Brasil (o que não é novidade), todo o programa foi uma extensão do circo que se arrasta desde o fim do ano passado.

Patricia Amorim e Luxemburgo estiveram em links ao vivo e falaram o que quiseram: ela, sobre a recepção a Ronaldinho num tour por várias partes do Rio; o técnico, que estava com fome. Sim, com fome, pois Eric Faria tirou Luxa do almoço para a "exclusiva".

A única pergunta feita a Luxemburgo foi onde Ronaldinho iria jogar: no meio ou no ataque? "Vai jogar no time", respondeu ele, para gargalhadas de Eric Faria e de Alex Escobar no estúdio. Pois é. Precisa de censura prévia pra isso?

Dentro de campo

Como Ronaldinho vai se comportar dentro de campo? E isso inclui a dedicação aos treinamentos e à manutenção pessoal da forma física, antes de tudo. Dizem que não haverá privilégios, mas dá pra acreditar nisso num Flamengo pós-Adriano e pós-Zico (que queria acabar com esse tipo de coisa e foi "acabado")?

Ele será o camisa 10? Mas vem aí Thiago Neves, além de Botinelli. Vai pro ataque? Mas ficará restrito a determinada faixa de campo, como no Milan, ou terá liberdade? Quando Ronaldinho estará apto para começar uma partida e jogá-la inteira?

Fora de campo

Como é, afinal, essa parceria entre Flamengo e Traffic? Vai custar alguma coisa para os cofres do clube? Se não custar, qual o retorno para a empresa? O passe de jovens promessas que já despontam na Copa SP de futebol junior?

E as demais parcerias da Traffic, até mesmo com o Palmeiras: como ficam diante desse grande investimento no Flamengo? Quais são os termos dessa "relação aberta" entre a empresa, os clubes e agentes?

Essas são algumas perguntas que estão no ar. O resto é conversa pra torcedor ot... ops, apaixonado.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

O homem incógnita


Enquanto Ronaldinho Gaúcho é oferecido no espeto a várias mesas pelo próprio irmão, ninguém está falando de uma questão crucial: que Ronaldinho voltaria a jogar no Brasil? Sim, haverá retorno de marketing, receitas, estádios enchendo para vê-lo... Mas e o resultado em campo, qual será?

Está certo que o auge de sua carreira já passou. Fez chover no Barcelona, foi campeão da Liga dos Campeões, disputou três Copas (vencendo a primeira), mas veio para o Milan em baixa. No tempo da solidão de Kaká no meio-campo da Era Dunga, seus lampejos voltaram a credenciá-lo para a Seleção. Teve uma boa fase, mas não se pode  dizer que era aquele Ronaldinho.

E talvez aí esteja o "pulo do gato" para que Ronaldinho volte a apresentar um bom futebol regularmente: reconhecer que não é mais aquele Ronaldinho. No programa Juca Entrevista, o ex-craque Sócrates deu a dica: "Ele precisa admitir que é humano, deixou de ser mito. Precisa se reiventar".

Foi o que os grandes jogadores brasileiros fizeram durante suas carreiras. A velocidade do início de Romário deu lugar ao "gênio da grande área". A explosão arrasa-quarteirão de Ronaldo foi substituída pelo "jeito Túlio" de jogar, estando na hora certa e no lugar certo, com o talento que não depende do físico. Ah, e ambos voltaram ao Brasil, o que torna tudo mais fácil.

Ao que tudo indica (sei lá...), Ronaldinho está voltando ao Brasil. Mas e o resto? Não adianta insistir nos malabarismos de sempre, já que fica notória a falta de eficácia no futebol atual. Neymar e Ganso já aprenderam que não adianta só rebolar, tem que ter bola na rede. Não adianta se iludir (e tentar iludir torcida e crítica) de que ainda é aquele Ronaldinho. É um preâmbulo para expectativas frustradas.

Se lembrar da sua boa fase esse ano no Milan, Ronaldinho poderá encontrar um novo rumo. Em vez da correria e das acrobacias, o camisa 80 se esmerou por lançamentos  milimétricos que deram várias vitórias ao time rossonero. Em outras situações, já perto do gol, tirou da cartola finalizações que seu talento ainda permite. Fora as perfeitas cobranças de falta.

Em suma: Ronaldinho Gaúcho precisa aprender que menos é mais. Principalmente no Brasil, que sofre com o êxodo de jogadores, ele tem que se dar conta que não é preciso muito para impressionar e resolver jogos, sem ficar pressionado por torcida e crítica. Além dos exemplos acima, Ronaldinho ainda pode lembrar de Adriano 2009.

E Ronaldinho ainda possui uma grande vantagem em relação à trinca citada: tem uma fisiologia que, treinando seriamente, consegue se manter bem nos 90 minutos. É agora ou nunca, dentuço.