terça-feira, 7 de abril de 2015

Jonas e os tempos bíblicos do futebol

Foto: Site do Flamengo
O melhor momento do polêmico Fla-Flu de domingo foi a comemoração de Jonas ao fazer o primeiro gol rubro-negro. Para as gerações que conhecem apenas o futebol  milionário de jogadores-celebridade dos últimos tempos, a cena trazia um vislumbre do que significava para muitos jovens chegarem vivos à peneira final, isto é, os 11 titulares de um clube grande.


É salutar rever a jogada e o seu depois. Jonas quase perde a bola,  domina, e deixa pra perna esquerda (que não é a boa) bater, pegando Diego Cavalieri mal posicionado - aliás, noite pro goleiro esquecer. Em seguida, ajoelha no chão, arregala os olhos, agradece a Deus, parece estupefato. Os companheiros vêm saudá-lo e o volante não consegue interagir. Está em transe espiritual. Ajoelha-se como um muçulmano em suas orações, fica sozinho e volta a apresentar o semblante anterior.

Fica nítido que Jonas, maranhense que surgiu no modesto Sampaio Corrêa e quase foi parar no Corinthians, percebe a grandeza do que acabou de acontecer. Fez um gol num clássico de muita história, no Maracanã, sabendo que 40 milhões de torcedores estariam gritando seu nome. A reação de Jonas é de ter caído uma ficha memorável: veja o privilégio que você alcançou.

Jonas saiu do interior do nordeste, provavelmente ganhando um salário mínimo, para debutar no Flamengo, clube de grande pressão, nas fases boas e ruins. Os olhos de Jonas pareciam dizer: eu mereço isso? E poderia ser qualquer outro clube grande, o significado seria o mesmo.

O que chama a atenção é a autenticidade da reação de Jonas. Não conseguia disfarçar tamanha emoção, a mesma que Pelé provavelmente sentiu ao estrear pelo Santos, Zico pelo próprio Flamengo, Reinaldo pelo Atlético-MG. É um sonho ou é real? O estádio urrando de alegria e a bola na rede beliscavam a pele de tais atletas.

Não sei se Jonas permanecerá com tal postura, como o mega-humilde Ronaldo Angelim teve até o final de sua carreira. Mas ver sua reação é viajar no tempo. Antes dos salários astronômicos, dos empresários marotos, dos cabelos pintados e dos fones de ouvido da moda. A realização maior de um jogador de futebol era ser jogador de futebol, sabendo o quão difícil foi chegar até ali. E assim valorizando cada momento, sentindo cada lance como uma pérola encontrada.

Fiquei feliz pela vitória e pelo gol. Porém mais feliz ainda por Jonas e pelo que ele proporcionou à minha memória afetiva futebolística.

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