quarta-feira, 9 de julho de 2014

De Caniggia a Schürrle, ou quando o choro retornou

Na sala da estar da minha avó em São Cristóvão, Zona Norte do Rio, eu curtia minhas férias da 4a. série. Isso era em 1990, e além dela, minha mãe e eu acompanhávamos as oitavas-de-final da Copa do Mundo da Itália. Brasil x Argentina, quando eu ainda nem tinha noção da rivalidade, mas sabia o que era uma Copa. Quando fomos pra cozinha depois do jogo aprendi o que é o futebol.


Vi Maradona enfileirando um, dois, três, passar pra Caniggia, que driblou o melhor goleiro do Brasil de então - Taffarel - e estufou a rede. 1 a 0 e adeus, Copa. Fomos pra mesa do almoço e lembro claramente de minha mãe e minha avó já sentadas e eu começar a chorar. "O que foi, Marcos? É por causa do jogo?, chego a ouvir a voz delas. E era. Pela primeira vez sentia a decepção que sempre paira sobre a cabeça, ladeada pelo triunfo, de quem é fã do esporte mais imprevisível da Terra. Um deles desce em algum momento.

Em 1994 chegamos desacreditados, fizemos uma Copa CDF com o bagunceiro do fundo da sala resolvendo a parada dura contra a vontade dos professores. Romário e sua personalidade chamaram a responsa enquanto a retranca diligente nos garantiu. Ainda assim, sofri nos pênaltis cheio de medo de chorar novamente, mas Baggio e Taffarel não deixaram.

Quatro anos depois tínhamos novos craques (Ronaldo, Rivaldo) e pela primeira vez me sentia confiante pra levar o título. Aí nosso futuro maior artilheiro em Copas/empresário oportunista teve o piripaque e Zidane usou a cabeça do jeito certo duas vezes. Nossa fragilidade emocional era de véspera, e nem Edmundo dando esporro no fair play de Rivaldo me consolou.

O que seria uma Copa pela madrugada? Foi a de 2002, a última que acompanhei junto de meu avô, aquele. Vi a estrela de Felipão brilhar com a Família Scolari em que só os goleiros reservas não jogaram. Sim, só pegamos um adversário tradicional na final e ainda assim, combalidos. Mas Copa é Copa, e meu avô ganhou outra no dia de seu aniversário (29 de junho, a final foi na madrugada pra 30), como em 1958.  Cinco meses depois ele se retirou dos gramados, e fiquei lá eu tendo que prosseguir com o gosto pelo futebol.

A derrota em 2006 não me abalou. Se a postura em campo não é digna, o resultado é o de menos. Recordes pessoais em primeiro lugar, festa no apê da concentração, uma derrota para o mesmo carrasco de 1998 sendo levada tranks, numa boa... A raiva é melhor que a tristeza, dá pra levar e seguir adiante.

Como torcer para os soldadinhos de Dunga em 2010? Se para o milico tudo era ordem e disciplina, e a alegria e a leveza eram coisa de maricas, isso é Brasil? Não o que eu conheço, já que para os gaúchos só existe mesmo o Rio Grande. O marrento Júlio César e o inconsequente Felipe Melo puxaram a barca da culpa, mas nem banco decente tínhamos. Assim como em 2006, faltou carisma e envolvimento entre povo e Seleção (CBF só iniciando os trabalhos de distanciamento).

2014. Copa pós-manifestações. Pós-Copa das Confederações impecável (que agora, já sabemos, é um pecado). Mas uma Seleção que voltou a encarnar um espírito de Seleção que não víamos faz tempo. O carisma de Neymar e David Luiz. Ainda que aos trancos e barrancos, chegando a uma semifinal em casa de uma Copa sensacional. Torci, fiquei nervoso, xinguei, comemorei aliviado cada gol.

Um? Ok. Dois? Ihhh... TrêsQuatroCinco? Como assim?

1 x 7. Placar comum nos anos 50, 60, quando um Íbis da vida enfrentava o Santos de Pelé.

O pior: assim como os uruguaios em 1950, os alemães pareciam arrependidos de terem causado tamanho estrago a um povo que os acolheu tão bem. O constrangimento dos algozes e seus esforços em nos consolar conseguiam ser mais humilhantes que qualquer marra argentina nos esculachando.

Não conseguia falar. Fui de preto pro trabalho e só depois me dei conta da conveniência. Não queria encontrar ninguém. Não conseguia descambar pra zoeira. Os comentários sobre o jogo me irritavam e foram onipresentes do começo ao fim do dia. Fechei os olhos e por uma fração de segundo imaginei que tudo era só um pesadelo dos brabos. Mas logo vinha a porrada da realidade.

E pra completar, Argentina na final. A princípio, eu não teria tantos problemas em vê-los campeões, nunca tive um ódio ricaperroneano pelos hermanos (hermanos sim, sou apenas um rapaz latino-americano).

Mas ojerizo a marra. Seja em Júlio César ou em Maradona. A marra de Romário não esculachava, zoava. Era o carioca curtindo com a cara dos amigos. Os argentinos não. Fizeram uma música contando vantagem a partir de uma vitória sobre nós - aquela de 1990, de uma Copa que sequer venceram. Invadiram nosso país em todos sentidos, até roubaram ingressos e tocaram o terror. Como disse Arnaldo Branco, é o nosso apocalipse zumbi em Copacabana.

Agora imaginem se ganham uma Copa no Brasil. A Copa que custou o nosso dinheiro, a nossa festa. A Copa em que já fomos esmagados nas semifinais. Não, isso não pode acontecer, mais devido ao bullying eterno do que pela vitória de um rival. A melhor descrição para esse desfecho veio do Twitter: "É como se você fosse obrigado a chamar o vizinho folgado pra festa, ele vem, abre a geladeira e ainda come a sua irmã".

Só que o drama não acaba aí. Se já disseram que essa Copa foi escrita pelo autor de Game of Thrones, o roteirista final é de Breaking Bad. Para que não sejamos eternamente reféns do abuso vizinho, precisamos torcer para ninguém menos que... a Alemanha.

Nada mais humilhante do que ser obrigado a torcer para quem nos humilhou a fim de que não sejamos humilhados ainda mais.

Voltei à mesa do almoço de 1990. Voltou o choro desesperado. Por que tivemos que perder DAQUELE JEITO no Mineirão? Gigghia, suicídio de Getúlio, Paolo Rossi, emenda das Diretas derrubada, morte de Tancredo... Já não basta de tragédias coletivas em nossa história? Por que tivemos que passar por mais essa? E por que temos que aguentar o autismo de Felipão e companhia, considerando tudo mera fatalidade? QUAL FATALIDADE É "MERA"????

Penso que minha vida não pode parar por causa disso. Fico repetindo pra mim mesmo: é só futebol, é só futebol, é só futebol.

O problema é esse. Futebol, apaixonante, sereia dos esportes. Quem gosta não consegue se livrar dele. E não é masoquismo apenas, pois só quem se atreve a torcer pode um dia experimentar o gozo de um título suado. Mas quando esse dia não vem, o de então não precisa ser tão cruel, frio, calculista, torturante, assassino, estuprador, debochado, irônico.

Até as 17h de terça eu exclamava, sorrindo: "Que Copa inesquecível!". Infelizmente continuo pensando assim.

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