terça-feira, 15 de abril de 2014

De Jayme a Felipe, uma parábola descendente

Felipe é um goleiro de excelentes reflexos mas péssimo na saída do gol, o que não deixa de ser uma metáfora sobre a sua postura pessoal. No calor do momento e sem pensar muito, consegue ser rápido e letal (como uma defesa à queima-roupa). Na hora de pensar as possibilidades e as consequências, se planejar e agir conforme o necessário, mostra total inapetência (como ao não sair do gol ou sair "caçando borboleta"). E há o Jayme de Almeida.


Quando tive a honra de entrevistar o maestro Junior, muitas perguntas giravam em torno da comparação do futebol da sua época para os dias atuais. Em determinado momento da entrevista, criticando os valores e as prioridades de carreiras dos atletas de hoje, Leovegildo calçou as sandálias da humildade e se perguntava: "Os nossos valores eram diferentes, mas era uma época diferente. Se eu tivesse nascido depois e jogado agora, teria valores diferentes, seria como eles? Não sei".

Jayme, que não tem pose nem status de técnico "top", não é um gênio tático (nisso acompanhado até dos técnicos "top", ao contrário do que afirmam os puxa-sacos da imprensa esportiva) e jogou com Junior. Jogou também com Zico, que consegue ser admirado até por torcedores e ídolos de clubes que sofreram com seus gols.

De Jayme a Felipe, o que mudou em nosso futebol? Por que Jayme consegue, com a mesma serenidade das coletivas pós-jogo, afirmar que fica triste pelo Vasco pela perda do título naquelas condições e não soar falso? E ao mesmo tempo dizer que não fica constrangido por comemorar o título e não soar presepeiro?

Ok, Jayme é um senhor de 60 anos. Mas Felipe tem pouco mais de 30, não é mais um garoto deslumbrado com a fama. Ainda assim, fica nítido que os valores são outros. E isso dá pra ver em momentos de pressão como o da decisão de domingo.

Há pouco tempo Felipe deu uma entrevista em que parecia mais amadurecido. Criticou, com propriedade, a opressão do politicamente correto que faz qualquer provocação esportiva virar polêmica e pretexto pra guerras de torcedores. E o quanto isso empobrece entrevistas e até a cultura do nosso futebol.

É pena que, pelo visto, a reflexão serve apenas como álibi ou desculpa na hora da verdade. A despeito do que os jogadores do Vasco fizeram ou disseram, Felipe deu uma entrevista com o título ganho, num momento de festa e alegria. Ainda assim repetiu, com outro dito popular, a Lei de Gérson, em que o negócio é levar vantagem em tudo - seja como for.

Se com mais de 30 anos, tendo trabalhado em clubes de massa como Flamengo e Corinthians, ele ainda não sabe discernir entre provocação e disparate, então estamos falando de valores. Daquilo que está contido na pessoa, a despeito dos esforços de assessorias de imprensa.

O goleiro poderia apenas ter ficado na brincadeira do "freguês", do "vice de novo" ou até do Vasco ter "disputado o campeonato paulista nos últimos 10 anos". Mas se sai um "roubado é mais gostoso" no calor da hora, isso diz muito. Dizer 24 horas depois que o Brasil vive uma "falsa moralidade" que agora o condena, a despeito de ser verdade ou não, é emenda pior do que o soneto. Diante disso, o pedido de desculpas sai com gosto de óleo de peroba, seja quais forem as intenções.

Voltemos a Jayme, que repudiou no "Bem, Amigos" as declarações do goleiro, sem medo de criar clima ou coisa parecida. Jayme não trata os jogadores como idiotas, não fica dando berros à beira do campo para fazer o show da TV, não esculacha repórteres, não coloca o grupo na fogueira. Nem por isso deixa de desabafar, de fazer críticas sobre o público do campeonato. Se é assim o tempo inteiro, aí estamos falando de valores.

Não tenho dúvida que na época de Jayme também havia jogadores presepeiros como Felipe. Mas ambos estão no Flamengo. E o Flamengo de Jayme, Zico e Junior revelou gente de caráter ilibado como estes três. O Flamengo de hoje, que já defenestrou o desagregador Renato Abreu, vai abrigar por mais quanto tempo um atleta como Felipe?

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