domingo, 4 de agosto de 2013

Minha volta ao Maracanã

Voltei. Depois de todo mundo, mas voltei. Sei que há muitos torcedores bem mais assíduos do que eu, mas isso não apaga minha memória afetiva do Maracanã. Não senti o impacto negativo que tantos narraram: está diferente sim, mas ainda é ele. Como numa grande reforma numa casa conhecida, está melhor e mais bonito sem perdermos a certeza de que é o mesmo. O legal foi perceber a atmosfera do lugar.

Fui a pé e não quis cruzar com uma torcida organizada que vinha pela Doutor Satamini. Mas como a ironia me acompanha, nem fiquei surpreso ao chegar na Eurico Rabelo no exato momento que a tal organizada passava, escoltada pela polícia. Aquele constrangimento de estar com a camisa do Flamengo, querer gritar junto, mas no receio de confusão. Ainda mais com a PM do Rio...

Cheguei cedo, entrei e aí me senti no cinema, ou no teatro: olhadinha pro ingresso e procura da fila e do número do assento. Atrás do gol e... entre duas torcidas organizadas. Bom, era pra ser. Os assentos numerados não foram respeitados, mas vi muita gente ocupando os que ficaram vazios, então tá certo.

Logo ouço o aviso de que é proibido fumar nas dependências do NOVO Maracanã (o locutor enchia a voz pra usar o adjetivo, como se marcando bem quem manda no pedaço agora). O carioca escaldado na fileira de trás chiou: “Não pode fumar, não pode ficar sem camisa, não pode gritar gol... Tá difícil!”. Na fileira mais abaixo uma vovó, de gola rolê e tudo, acompanhava netinhas piriguetes.

A ambivalência da relação do torcedor com o Maracanã do Complexo se revelava a cada minuto. No banheiro masculino, que contava até com fraldário, a existência de sabão era elogiada em alto e bom som. “Caramba, dá até vontade de cagar aqui!”, dizia um. Sabão e papel eram repostos na hora, por um funcionário que ficava na porta – como nos shoppings. Mas não era ruim o Maraca ter “virado um shopping”?

Dá pra ver que o novo Maracanã tem uma lista de melhorias: cadeiras, melhor visibilidade do campo, avisos sonoros sobre recursos existentes (como número de banheiros e bares, e onde procurar atendimento médico e fazer denúncias).

Mas o preço dos ingressos (resultado direto das condições escorchantes do consórcio) não combina com o tipo de lazer que é. E algumas alterações da FIFA mataram a história do Maracanã, como o gramado menor e a cobertura à la Europa. Um protesto inteligente trazia a faixa “O Maraca é nosso?” com torcedores de cartola, gravata e paletó.

No telão, uma homenagem a Djalma Santos com a trilha sonora do Canal 100 foi de arrepiar. As imagens da torcida do Botafogo eram inapelavelmente vaiadas pelos rubro-negros. Quando mostraram torcedores do Flamengo tirando fotos com o craque suprapartidário Seedorf, silêncio.

A melhor coisa de torcer num estádio é a catarse. Xingar juiz e perebas e cantar provocando a outra torcida são válvulas de escape sociais que só uma arquibancada promove. Empurrar o time com gritos de guerra e músicas especiais, vendo o resultado em campo, faz a gente se sentir um pouquinho o jogador de futebol que sempre quisemos ter sido.

As emoções não são fáceis. Comemorei dois gols que foram anulados pelo árbitro. A progressão geométrica da euforia com a bola na rede, a posterior frustração e o conseguinte ódio pleno por juiz  e bandeirinhas foram extenuantes. O Flamengo não saiu do zero nos dois últimos jogos que compareci. O complexo de inferioridade por ser um possível pé-frio me aterrorizava.

44 minutos e a torcida do Botafogo, muda enquanto seu time era sufocado no segundo tempo, entoa o “E ninguém cala...”. Tanta rouquidão para uma derrota, meu Deus? Aí uma bola vadia chega perto de Elias, que pela terceira vez na partida vence o goleiro Jefferson. Hesitei por uma fração de segundo se dessa vez era pra valer, pra logo perceber que era e fazer a última descarga de energia da noite. Lacrimejei ao perceber que meu máximo esforço enquanto torcedor não foi em vão.

Eu disse última descarga de energia? Pois a torcida ainda ficou 5 minutos depois do jogo terminado cantando suas músicas, enaltecendo o Flamengo. Por estar entre as organizadas – com seus bumbos e gritos de incentivo – me senti  no coração do estádio, num caldeirão cultural que só o futebol pode proporcionar. Em meio a tantos diferentes de mim, senti-me parte de um só – como uma Nação, apelido da torcida rubro-negra não por acaso.

Saí feliz. Não só com o gol do final, mas com a experiência. Depois de três anos sem o Maracanã, cá está ele de volta. Pertinho de mim. Com sua acústica descomunal, desde 1950. Dá pra entender porque a maior revolta dos cariocas foi fazerem o que quiserem com ele, do jeito que quiseram, com a nossa conta bancária. Como roubar nossa casa enquanto assistimos os ladrões fazerem seu serviço.

Mas a casa continua nossa, mesmo que arrendada ou prostituída. Podem rasgar a carne, mas não o espírito. Quem entra num clássico com Maracanã lotado sai de lá outro. E isso ninguém nunca vai tirar de nós.

Um comentário:

Sara disse...

Acho que tive a sorte de todas as fases do mundo, então agora eu gostaria de ficar a conhecer as etapas da Argentina, em seguida, ir para outro país para fazer o mesmo, mas eu preciso primeiro encontrar um apartamentos em Buenos Aires