segunda-feira, 17 de junho de 2013

A Espanha de dois gumes

Foto: AFP
A quase perfeição da geração atual da Fúria é de embasbacar. Pouquíssimos erros táticos, de passe ou de finalizações, domínio absoluto do jogo, estratégia de cansar o adversário (lembra Muhammad Ali), placares necessários devidamente calculados. No entanto, sempre chega uma hora do jogo em que bocejo, me irrito com a burocracia paciente do toque de bola e mudo de canal. É como se a Espanha tivesse transformado a imprevisibilidade do futebol na lógica infalível do basquete: o melhor time sempre vai ganhar sem dar chance pro azar.


Fiquei pensando no Santos de Pelé, outro time imbatível e quase perfeito. Porém ali havia explosão, uma vontade insaciável de fazer mais e mais gols. As tabelas entre Coutinho e o Rei eram como as trocas de passes entre Xavi e Iniesta, só que mais eletrizantes e verticais. O sistema defensivo não era tão desenvolvido (como reinava no futebol da época), e o Santos precisava garantir a vitória estufando as redes.

Tirando a final da última Eurocopa, em que enfiaram 4 x 0 na Itália, madonna das defesas, quando a Espanha demonstrou o mesmo apetite por fazer uma partida memorável? Assim como ontem, o normal é marcarem os dois gols da tranquilidade e pronto, administrar até o final. Foi assim em 2010 também: uma cerâmica infindável no toque de bola até o arremate final, seco.

Não estou aqui desdenhando do talento espanhol. Mas quando Iniesta dá quase 100 passes num jogo e erra apenas dois, isso é futebol ou robótica? Não consigo imaginar o meio-campo deles fazendo pixotadas ou sequer desatento. Feche os olhos por 2 minutos e depois abra: a bola ainda estará com a Espanha, provavelmente longe do gol.

É óbvio que não prefiro um monte de cabeça-de-bagre maltratando a bola só pra justificar a emoção do futebol. O problema é que em determinada hora do jogo não vejo atletas, mas mecanismos cientificamente planejados. E se é pra não ver humanidade em campo, prefiro alienígenas como Pelé, Garrincha, Zico, Maradona, Romário, Ronaldo, Rivaldo, Messi, Cristiano Ronaldo...

A atual geração espanhola rompe com a graça do futebol, isto é, aquele fantasma da injustiça que paira a cada partida, com o "quem não faz, leva". A Espanha não deixa fazer e só faz quando precisa. Sim, é admirável o nível de acerto. Mas falta um alienígena (ou um evento cósmico) pra nos fazer levantar da cadeira e comentar pela semana "que diabos foi aquilo que ele fez??".

O recado (e a contribuição) da turma de Xavi e Iniesta para o esporte é claro: posse de bola com passes certos e cirúrgicos são fundamentos cruciais para o futebol de hoje. Para isso, é necessário talento, contrapondo-se à overdose de preparo físico que nivela os times pela correria. A Espanha não corre - com exceção do velocista Jordi Alba, no que parece ser uma caractéristica pessoal do jogador.

Porém essa mesma Espanha precisa aprender que futebol é mais que bater metas de qualidade. É paixão, espetáculo, explosão. Fico curioso pra assistir a Fúria levando um ou dois gols logo nos 20 primeiros minutos de uma decisão. Será que o estilo muda? Como se comportariam com tamanho imprevisto? Numa possível final, taí uma boa dica pro Brasil, ainda mais jogando em casa.

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